17 dezembro 2014

O Xico não morreu

Ontem, seguindo um ritual habitual nas minhas deslocações ao café, folheei um jornal local, e retive com o descomprometimento que a situação exige, os seus títulos mais expressivos, ou mais bombásticos, se assim se podem classificar, até chegar às últimas páginas, onde, irrefletida mas irremediavelmente os olhos poisaram na secção obituária.

Uma fotografia trazia à primeira impressão a imagem de uma pessoa conhecida; um antigo companheiro de escola, de relacionamento distante, que encontrei quinze dias atrás, e com quem, posteriormente, troquei informações por via eletrónica. O nome anunciado parecia consolidar a informação inicial, e a localidade do desenlace, coincidente com a da sua residência, confirmava-a definitivamente.

O Xico havia morrido. De quê, se poucos dias antes não aparentava problemas de saúde? É certo que a vida parecia não correr-lhe de feição, mas isso infelizmente, é uma sina que a todos vai tocando. Provavelmente foi uma traição do coração, pensei eu, e com isso alimentei mais uma vez a ideia de que não devemos ralar-nos em demasia com as agruras da vida. É um lugar-comum na luta e relativização das dificuldades que se nos colocam.

De qualquer forma a notícia entristeceu-me e dela fiz a propaganda que julguei ser merecedora.

Não tive possibilidades de comparecer no funeral, a que moralmente me sentiria obrigado, apesar de ter a plena convicção que o defunto não repararia e consequentemente não me censuraria.

À noite, ao aceder ao meu correio eletrónico, verifiquei ter acabado de receber uma mensagem do suposto defunto, o que naturalmente me deixou perplexo. Nova mensagem chegou no início do dia de hoje.


Não acreditando nas vozes do além, nem tão pouco que nesse além haja serviço de Internet, resolvi esclarecer a situação, telefonando-lhe. O Xico atendeu. Afinal o Xico não morreu. 

A Laurindinha


A Laurindinha era uma mulher prevenida. Todos os anos, em alturas coincidentes com a véspera da chegada do marido que labutava em terras estranhas, a mulher dirigia-se ao Centro de Saúde para junto da médica assistente solicitar umas análises.

Pura prevenção, dizia ela, no despiste de qualquer maleita por ele trazida, apanhada sabe-se lá como, nas terras longínquas, em momentos  que a fraqueza da carne se sobrepunha à saudade conjugal. Não que ela o considerasse um desbragado, antes pelo contrário. Eram sobejas as provas do bem que o homem queria à casa e à família.

Só para ele, claro. Porque ela era uma mulher séria que sabia os caminhos que trilhava.

A médica admirava e gabava a consciência e a responsabilidade daquela mulher da aldeia. O marido, não escondia algum mal-estar por aquele assumo de desconfiança mas acabou por se habituar, e admirar a mulher pelo zelo que impunha àquela relação, transformada em frequentes e tumultuosos atos de afeto.

Não sabia a médica e muito menos o marido, que na ausência deste, a Laurindinha tinha quem lhe aquecesse a cama e o corpo.

O Domingos, um homem agradecido ao Brasil e ao dinheiro, era quem a consolava e a livrava amiudadamente do tédio e da solidão. Homem temeroso das surpresas que a vida esconde e previdente quanto aos cuidados que ao corpo diziam respeito, era por ele e a seu pedido, que a Laurindinha sujeitava o homem àquela provação.  

29 outubro 2014

TRAPALHADA




Hoje desloquei-me a uma repartição de finanças para tratar de um assunto relacionado com o cadastro, acho que é o termo indicado, da minha filha. Aproveitei a ocasião para resolver uma dúvida que me assistia, pedindo um esclarecimento sobre o IUC, uma vez que, por me ter sido atribuído um grau de incapacidade, a lei conceder-me benefícios em sede desse imposto. A informação que me foi prestada colidiu com a que esperava e de certo modo negava-me um direito que julgava consagrado, mas, vindo ela de uma pessoa supostamente conhecedora da matéria aceitei-a e saí, agradecido pela colaboração. Já na rua, refleti sobre o atabalhoado de argumentos utilizados e desconfiei, desconfiei dos conhecimentos do homem. Voltei atrás e entrei na porta ao lado, no serviço de cobranças, tirei o ticket e aguardei. Chegada a minha vez, pedi desculpa à menina atendedora, porque não ia ali pagar nada, mas simplesmente colher uma informação. E repeti a questão. Surpreendentemente a informação contradisse a anterior, indo de encontro aos meus interesses. A trapalhada gerada vai-me obrigar a recorrer a outra fonte que arbitrará, espero eu, este conflito de opiniões.

13 outubro 2014

Regresso

Regresso decorridos três anos da última publicação. Desde aí, muitas mudanças, muitos casos, muitas decisões e contradições ocorreram, definindo e condicionando o meu "dia seguinte", por isso se torna tão difícil explicar as razões do interregno como assegurar a longevidade prevista da publicação. O tempo tem o condão de albergar todas estas determinantes. 
No meu caso particular, essas marcas foram por demais salientes mas expectáveis para o percurso de uma pessoa: a minha situação profissional alterou-se profundamente ao colocar-me na situação de pré-reforma; convivo com alguma serenidade com um diagnóstico médico não desejado nem esperado; terminei uma almejada licenciatura.
Faço-o, mantendo o princípio que norteou desde o início esta iniciativa, e também como uma terapia às agruras com que vamos sendo presenteados.
Prometo não ser chato, nem quezilento.