09 setembro 2020

 

GAIVOTAS CAGONAS

 

Estamos em setembro. As temperaturas estivais mantêm-se, convidando a uma ida à praia àqueles que o podem fazer. O mar espraia-se numa acalmia impressionante, num areal já pouco concorrido e apenas sujo pelos resquícios das algas que a ondulação pachorrentamente lhe atira.

Convidada, a minha mulher acompanha-me na curta caminhada pela fronteira que separa a água da areia. Os pés enterram-se na areia húmida e com acertada cadência são submersos pela água fria do mar, tão fria que até enrijecem e torturam os tornozelos.  Enleva-se na procura de conchas e lapas.

Eu, focado noutros horizontes, mantenho a regularidade da passada, e não me apercebo do distanciamento que então se vai criando, mas com a noção de que alguém me faz companhia.

À minha frente, duas gaivotas complementam a sua dieta, debicando afoitamente o sargaço que se espraia, e comento:

- Estas aves são bonitas; pena é serem tão cagonas.

- Como? – Diz-me a pessoa que ao meu lado caminha.

- Peço desculpa, julguei que estava a falar para outra pessoa. – Respondi.

 

Setembro 2020

12 abril 2020

Páscoa em contingência


Hoje é Domingo de Páscoa.
O sol cedo se instalou, radioso e ameno, dando o seu contributo à solene celebração da Ressurreição de Cristo.
Os foguetes há muito que ribombam, lançados por mãos madrugadoras, anunciando a festa e alertando para o compasso que se prepara para sair.
As sinetas, sacudidas por jovens e hábeis mãos, vão se fazendo ouvir ao longe e anunciam a caminhada da visita pascal. A intensidade da sonoridade dá conta da sua aproximação e o frenesim das pessoas que se postam na esquina da rua augura a sua iminente chegada.
Os moradores estão preparados. Abertas as portas das casas e atapetadas de flores e ramos verdes as suas soleiras; ainda há tempo para que numa ou noutra janela se estenda a colcha mais bonita.
Os homens conversam na rua, animados e felizes, ciosos da importância e da solenidade da ocasião, mantendo a tradição de receberem a cruz com a melhor indumentária do guarda-fatos, enquanto as mulheres vão participando naquele colóquio de boa vizinhança, com a atenção postada no fogão e no assado.
O compasso chega e logo sai. Há tempo para uma breve oração e a passagem de Cristo na cruz por todos os elementos da família, enquanto o padre benze o lar e as pessoas.
Segue-se o convívio familiar em preparação para o repasto pascal.
Hoje é Domingo de Páscoa, é verdade. Tudo o resto é fantasia minha.