23 agosto 2015

O Vale dos Caídos

Inesperadamente, à esquerda de quem  tinha deixado Madrid a alguns quilómetros atrás, surge, sobrepondo-se aos cumes dos montes que a rodeiam,  uma imponente cruz granítica, dominadora de toda uma vasta paisagem pedregosa e desabitada que a circunda.
Já lá tinha passado há cinco anos, na altura em que visitei o Escorial, mas, não tendo intenção de o apreciar, também não o poderia fazer, uma vez que estava vedada a entrada a visitantes por motivo das obras que nele decorriam. Estou a falar do Vale dos Caídos, memorial aos combatentes das forças nacionalistas espanholas que morreram na contenda fratricida do terceiro decénio do século passado, mandado erigir pelo regime franquista, que simultaneamente evocava a vitória na guerra civil e servia de veículo propagandístico do regime instaurado pelas forças vencedoras. Era por isso ponto de passagem obrigatório para todos aqueles que visitavam Madrid.
As coisas entretanto mudaram. Se não fosse este visionamento, não me ocorreria sequer a lembrança do monumento. Com efeito, não encontrei qualquer roteiro turístico que o aludisse e mesmo a sinalética orientadora do trânsito a ele faz referência de uma forma disfarçada, como que envergonhada.

Fruto dos tempos e das alterações políticas entretanto ocorridas. Não sendo recomendável a omissão dos factos que dividiram o povo espanhol, cujas consequências se mostraram trágicas, manda o bom senso que não se fomente doravante as divergências e a intolerância tão malévolas ao progresso e estabilidade da nação espanhola, mas se contribuía para a fraternidade e apaziguamento dos povos que a integram. 

01 fevereiro 2015

Mãe solteira

A rapariga juntou-se à conversa. Nunca a tinha visto, mas era conhecida e vizinha da pessoa que estava comigo.
O à vontade no falar era demonstrativo do denodo com que enfrentava a vida e o seu otimismo levava-a a abordar os problemas com a convicção da sua limitada temporalidade e na certeza de que para cada um acabaria por chegar uma solução. Com paciência e sem ansiedade.
A simplicidade do vestir associava-se à naturalidade corporal, próprio dos simples, sem contudo lhe prejudicar a simpatia nem as qualidades físicas.
Era jovem na idade, madura no pensar. Acabou por dizer que tinha 26 anos, mãe solteira de uma menina de 6.
Foi-se embora sem lhe saber o nome.

A segunda parte da história é um decalque das muitas peripécias ficcionadas que nos atolam o imaginário, mas que merece narração por ser real.
Vim a saber logo de seguida, que o relacionamento com o outrora companheiro terminou por vontade e iniciativa dela, sem contudo se perceberem os motivos do desenlace, mas que é do conhecimento público a dedicação e o carinho que o pai, entretanto emigrado em França, tem dado à filha.
Também é do conhecimento geral que a irmã da rapariga foi tentar a vida para além dos Pirenéus, mas poucos sabem quem a apoiou na sua integração local. Pois! Foi o seu ex-futuro cunhado, com quem aliás passou a viver, e junto do qual se sente muito bem e feliz.
A família não esconde o incómodo da situação, mas não subestima o benefício, mormente para a criança, que a aproximação do pai traz.

O futuro, creio eu, mostrará também um imbróglio parental.

30 janeiro 2015

As catotas

-Ó professora, o Tiago está a tirar catotas do nariz e a metê-las à boca.
- E que tens tu a ver com isso, Rui?
- A minha mãe disse-me que isso é uma porcaria.
-Olha lá! O nariz não é do Tiago? O dedo  e a boca, assim como as catotas, não são dele também?
-São.

-Então porque te preocupas?