O casal Ferreira tinha
escolhido a sua terra natal para viver os dias que lhe sobejavam da reforma
trazida de França.
O Sr. José e a D. Rosário
deixaram para trás os árduos trabalhos e infindáveis dificuldades, que a seu
tempo lhes permitiu o pecúlio e as pensões que garantiam uma razoável
estabilidade e a desejável serenidade para a última etapa da sua vivência.
Ficara também naquelas terras gaulesas, agora mais próximas que outrora, a
família mais chegada, constituída por filhos e netos, que já os havia com
fartura.
A casa onde habitavam
era propriedade sua, construída com o fruto do seu suor e por muitos anos
constituída como móbil principal da aventura além-pirenaica.
Era uma habitação
simples, térrea, de dimensões adequadas à instalação do casal e a albergar o
resto da família que todos os anos, por altura do agosto, arribava para matar
saudades e tomar um pouco do nosso sol. Localizava-se nas redondezas do
aglomerado habitacional da povoação e dispunha de um pequeno quintal.
Era no quintal que o
Sr. Ferreira passava grande parte do seu tempo, dedicando-lhe especial atenção,
como que justificando os anos em que aquela sua reconhecida apetência para a
agricultura foi desprezada e ignorada, mercê das condicionantes impostas pela
emigração. Foi no quintal, numa manhã soalheira de um dia primaveril, que o Sr.
Ferreira encontrou de forma repentina e prematura a morte, no momento em que
cumpria mais um ritual de inspeção e admiração à sua pequena horta.
E sem o saber, este
foi o momento em que D. Rosário passou a assumir o protagonismo desta pequena
história.
D. Rosário era uma
senhora que estaria talvez na casa dos sessenta e muitos, a quem os anos e a
vida dura deixaram visíveis traços no rosto. De estatura baixa e magra, era
contudo uma mulher vivaça e briosa, que quando vinha à rua não esmorecia nos
cuidados a ter com a pintura dos lábios e das unhas. Mas era analfabeta.
Com a morte do marido,
a senhora foi compelida a tratar de assuntos que até então estavam fora da sua
alçada, e nesses, estavam os que se relacionavam com as suas idas ao banco. Era
aqui que se passavam os atos mais pungentes e vexatórios a que na sua ótica se
sujeitava, ao ter de apor a impressão digital para validar a quitação dos
levantamentos de dinheiro que efetuava. Ainda por cima, em público.
A situação
incomodava-a e mexia com o seu egotismo.
Daí que, com
determinação ousou aprender a escrever o seu nome, e fê-lo com tal sucesso que
de seguida partiu para um patamar superior da literacia, onde igualmente foi
bem sucedida, o que, naturalmente, a encheu de justificado orgulho e
satisfação.
Mas o tempo, que é
indomável e inexorável, trazia-lhe outro tipo de problema: o da solidão.
Quando D. Rosário começou a sentir os primeiros assomos da solidão e a falta de carinho, tratou
logo, da forma expedita que lhe era própria, em arranjar homem. Encontrou o
novo aconchego numa pessoa bem mais velha.
Quis ela que as
segundas núpcias fossem formalizadas na missa mais concorrida de domingo, para
que toda agente testemunhasse que a união se processava em observância dos mais
elevados princípios morais e de decência e sobre o caso não surgissem os previsíveis
e maledicentes mexericos.
O casamento foi sol de
pouca dura.
Confidenciava-me mais
tarde D. Rosário, que a separação precoce e inusitada se deveu ao facto do
homem teimar em não cumprir com os seus deveres matrimoniais.